As retroescavadeiras no meu quintal e o futuro do trabalho com IA
Comparando a Revolução Industrial com a IA atual, explico por que a tecnologia historicamente gera mais oportunidades.
IA PARA EMPRESASREVOLUÇÃO TECNOLÓGICA
Leonardo Coelho
7/15/20256 min ler


Como a mecanização me ensinou sobre IA
Atualmente, quando olho pela janela do futuro escritório da IAlto (em construção), vejo ao fundo, nos terrenos de trás, retroescavadeiras trabalhando. É uma cena comum aqui no Alto Vale Catarinense: máquinas poderosas domando terrenos acidentados, preparando lotes onde em breve surgirão novas casas nas encostas dos morros.
Ontem, enquanto observava a pá carregadeira erguendo toneladas de terra como se fosse poeira, me veio um pensamento: ninguém questiona mais o uso dessas máquinas... Nem os observadores (eu, os vizinhos) e muito menos os trabalhadores que as operam. A vantagem de uma retroescavadeira sobre dezenas de homens com pás é tão evidente que se tornou inquestionável.
Mas nem sempre foi assim.
O espanto que vira normalidade
Durante a Revolução Industrial, houve momentos de tensão real. Trabalhadores quebravam máquinas, temendo pelo futuro de suas famílias. O movimento luddita na Inglaterra do século XIX não era sobre pessoas ignorantes com medo do progresso - era sobre seres humanos tentando proteger seu modo de vida.
Hoje, aceitamos naturalmente que a mecanização tirou milhões de trabalhadores do campo e do trabalho manual pesado. Um trator moderno substitui o trabalho de dezenas de pessoas na lavoura. No setor canavieiro brasileiro, segundo dados do IBGE, uma colheitadeira pode substituir o trabalho de aproximadamente 100 trabalhadores, demonstrando como a mecanização pode impactar dramaticamente a demanda por mão de obra manual.
Mas esse mesmo trator criou empregos para mecânicos, operadores especializados, vendedores de peças, engenheiros agrônomos, desenvolvedores de GPS agrícola...
A questão que me intriga é: por que com a IA seria diferente?
Por que a IA é diferente: a Revolução dos Colarinhos Brancos
Minha experiência, da escrita acadêmica à IA:
Talvez porque, desta vez, a revolução está chegando aos escritórios climatizados, não aos campos e fábricas. Pela primeira vez na história, trabalhos considerados "nobres" - escrever relatórios, analisar dados, criar apresentações - viraram commodity. Um LLM (Large Language Model) pode gerar em segundos o que um analista levaria horas para produzir.
Assim como a Revolução Industrial deslocou trabalhadores do campo para fábricas, a IA está migrando profissionais de tarefas repetitivas de escritório para tarefas mais estratégicas. Relatórios como o "Futuro dos Empregos 2025" (WEF) projetam que 41% das tarefas profissionais serão executadas predominantemente por tecnologia até 2030. No Brasil, micro e pequenas empresas representam 99% do total de empresas e são responsáveis por 52% dos empregos formais (dados do Sebrae). A IA para PMEs brasileiras representa uma oportunidade única! Mas também significa rupturas...
Confesso que isso me faz refletir sobre minha própria trajetória. Passei anos escrevendo papers científicos, orgulhoso de cada parágrafo meticulosamente construído. Hoje, uso IA como cocriadora dos meus textos: para geração de ideias rápidas e para revisão/refinamento de texto. O valor mudou de lugar ... Não está mais na capacidade de escrever, mas na capacidade de pensar, conectar, humanizar. A escrita virou commodity.
Na Rádio Demais FM, implementamos automação de processos empresariais: nosso assistente de jornalismo garimpa e redige rascunhos de notícias com o "DNA" da rádio. O que delegamos? O trabalho pesado e sujo. O que foi mantido para os jornalistas? Investigações profundas e apuração de notícias locais.
A velocidade que assusta: IA vs Revolução Industrial
Toda revolução implica rupturas, e essas não são fáceis. Na Revolução Industrial, milhões de camponeses foram forçados a migrar para cidades, enfrentando condições precárias de trabalho. Famílias inteiras se adaptaram a novas realidades, aprendendo a operar máquinas que antes nem existiam. A história humana é prova de resiliência: apesar da resistência inicial, as sociedades abraçam mudanças que prometem maior conforto e qualidade de vida.
O que diferencia a revolução da IA das anteriores é a hipermutabilidade.
O que realmente diferencia esta revolução é a velocidade. A mecanização agrícola levou décadas para se espalhar. A IA generativa explodiu em menos de dois anos. Quando comecei a estudar IA, pouca gente já tinha ouvido falar desse termo... Quando fundei a IAlto, o ChatGPT já era o app com a adoção mais rápida de todos os tempos!
Essa velocidade é assustadora porque não dá tempo para adaptação gradual. Um trabalhador rural dos anos 1950 podia ver o trator chegando de longe e se preparar. Hoje, um profissional pode dormir relevante e acordar obsoleto.
A lição dos trens de Harari
Yuval Noah Harari faz uma analogia esclarecedora: imagine Londres em 1835, cinco anos após a primeira ferrovia. As pessoas diriam que "toda essa conversa sobre trens mudarem o mundo é bobagem ... já temos ferrovias há anos e nada de importante aconteceu".
Elas viam mudanças pequenas (pessoas viajando, carvão sendo transportado) mas não conseguiam enxergar que os trens transformariam completamente a geopolítica, a economia e até a estrutura familiar.
Mas aqui está a diferença crucial: em 1835, a percepção e aplicação dos trens no mundo industrial não era imediata. Hoje, não é mais assim. A locomotiva da IA, movida por dados digitais, chega a todo vapor.
O que a IA (ainda) não consegue fazer
Observando máquinas bem projetadas, penso nas profissões que permanecerão essencialmente humanas. O encanador que precisa descobrir por que o cano está vazando atrás de uma parede específica. A professora de creche que acalma uma criança assustada. A enfermeira que percebe que algo está errado além dos sinais vitais. O bombeiro que toma decisões de vida ou morte em segundos.
São profissões que envolvem o caos do mundo físico, a imprevisibilidade das emoções humanas, a necessidade de adaptação instantânea a situações únicas. Por mais que a IA avance, criar robôs para essas tarefas ainda parece ficção científica distante.
Será que precisamos estar 100% imersos em toda tarefa intelectual? Assistentes de IA já lidam com trabalhos de escritório de forma autônoma, liberando espaço para o que realmente importa. O verdadeiro desafio? Decidir o que delegar à IA e quais atividades "nobres" demandam nosso foco total.
Minha visão: por que Bill Gates tem razão
Recentemente li que Bill Gates disse que programadores não serão substituídos por IA nos próximos 100 anos. Concordo 100%! Assim como ainda precisamos de operadores para as retroescavadeiras, precisaremos cada vez mais de pessoas que entendam, direcionem e humanizem a IA.
Profissionais que implementam inteligência artificial em empresas (programadores, especialistas em hardware, tomadores de decisão) serão essenciais para "manter a locomotiva funcionando". No Brasil, com um gap de digitalização em PMEs (apenas 23% usam ferramentas avançadas, segundo o Sebrae), há espaço para saltos gigantes.
A questão não é se IA vai substituir empregos brasileiros: ela vai. O ponto é quantos novos empregos ela vai criar e quão preparados estaremos para eles.
Segundo o Future of Jobs Report 2025 (WEF), estima-se que, até 2030, 170 milhões de novos empregos serão criados globalmente, enquanto 92 milhões serão eliminados; resultando em um saldo positivo de 78 milhões de empregos no período.
Minha aposta no futuro
Voltando às retroescavadeiras na minha janela, vejo um futuro em que a IA será tão normal quanto elas. Inclusive, os agentes de IA estarão em tamanha simbiose com o nosso dia a dia, executando tarefas desejadas de maneira tão automática, que só nos lembraremos deles no dia em que falharem.
A solução? A mesma que você ouve desde a pré-escola: educação. Mas não apenas educação sobre como usar IA: educação profunda sobre como ela funciona, o que a sustenta, seus limites, suas possibilidades. É por isso que na IAlto focamos tanto na implementação de IA educativa, nos nossos cursos e workshops.
Porque no fim, a história humana prova nossa resiliência. Nos adaptamos à agricultura, à escrita, à eletricidade, à internet. Vamos nos adaptar à IA também. A questão é: queremos ser os que conduzem as retroescavadeiras ou apenas os que observam criticamente pela janela?
Como implementar IA na sua PME (nosso método)
Se você é gestor ou empreendedor, três pontos são cruciais:
IA para PMEs:
• Implementação de IA deve começar pequeno: Identifique tarefas repetitivas e delegue à IA.
• Invista em pessoas: Treinamentos em IA nivelam equipes rapidamente.
• Adote dados como combustível: Na IAlto, ajudamos a sistematizar dados para IA eficaz.
Os três pilares fundamentais:
• A inteligência artificial para empresas não é mais opcional: PMEs que ignoram a IA ficarão para trás. Como na Revolução Industrial, quem se adapta prospera.
• Foco no humano: Delegue o repetitivo à IA e preserve o "nobre" – criatividade, empatia, insights estratégicos.
• Educação é o caminho: Invista em upskilling. Na IAlto, vemos resultados reais quando empresas abraçam essa mentalidade.
E você, como tem se preparado para essa transição? Quais tarefas "nobres" não delegaria à IA? Para aquelas que busca delegar, nos contate.
PS: Enquanto escrevia este texto, as retroescavadeiras continuam trabalhando. A destruição criativa em ação... Em breve, onde hoje há terra revirada, haverá casas, famílias, histórias.
Dr. Leonardo Coelho
Referências
IBGE. With the increase of mechanization, agriculture loses 1.5 million workers. Agência de Notícias IBGE, 2019. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/en/agencia-news/2184-news-agency/news/25807-with-the-increase-of-mechanization-agriculture-loses-1-5-million-workers
World Economic Forum. The Future of Jobs Report 2025. Disponível em: https://www.weforum.org/publications/the-future-of-jobs-report-2025/
GATES, Bill. Why AI won't replace programmers even in the next 100 years. The Hans India, 2024. Disponível em: https://www.thehansindia.com/technology/tech-news/bill-gates-why-ai-wont-replace-programmers-even-in-the-next-100-years-986905
HARARI, Yuval Noah. Yuval Noah Harari on AI and Human Evolution. WSJ Leadership Institute, 2024. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jt3Ul3rPXaE
SEBRAE. Perfil das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte 2023. Disponível em: https://sebrae.com.br/


