Uns meses atrás, uma amiga brasileira, pesquisadora da Vrije Universiteit Brussel, me enviou um artigo do NY Times intitulado "The Global A.I. Divide" (ou, em português, "A Divisão Global da IA"). Então, me deparei com um mapa mundi que me fez parar tudo. Era uma visualização simples: pontinhos azuis espalhados pelo mundo, representando centros de dados especializados em IA.

Por que a Infraestrutura de IA no Brasil Importa para sua Empresa

O que me impactou não foram os 26 pontos nos EUA, nem os 28 na União Europeia, muito menos os 22 na China. O que me deixou pensativo foram os míseros 2 pontinhos no Brasil inteiro.

Como alguém que deixou a pesquisa acadêmica na Bélgica para democratizar inteligência artificial para empresas no Brasil (https://ialto.com.br/sobre), essa imagem me atingiu de forma pessoal. É como ver um mapa do potencial desperdiçado.

O fosso digital que virou abismo

O mapa revela uma verdade brutal: apenas 32 nações possuem centros de dados especializados em IA. E adivinhem? A maioria está no Hemisfério Norte. África inteira tem cerca de 3 pontos (concentrados na África do Sul). América do Sul? Menos de 5 no total.

Isso não é apenas sobre tecnologia. É sobre o futuro da economia global.

Mas não para por aí. Outro gráfico complementar destaca como poucas empresas controlam o poder computacional global para IA, medido em "zonas de disponibilidade" (um proxy para centros de dados). Gigantes americanas como Microsoft (93), AWS (84) e Google (66) dominam, seguidas por chinesas como Alibaba (61), Huawei (44) e Tencent (38). Isso significa que mais de 90% dos hubs globais de computação em IA estão nas mãos de EUA e China, criando dependências geopolíticas – pense nas restrições americanas à exportação de chips como os da Nvidia.

A Microsoft e o jogo longo da infraestrutura

Aqui está algo que muitos não percebem quando criticam o Copilot como decepcionante comparado ao ChatGPT: a Microsoft não está jogando apenas para vencer hoje: está construindo a infraestrutura para dominar amanhã.

Com seus 400+ data centers globais e um investimento anunciado de US$ 80 bilhões em 2025 (cinco vezes o investimento anual da Petrobras!), a Microsoft está apostando que quem controla a infraestrutura controlará o futuro da IA. E olhando para aquele gráfico do NY Times, eles já têm mais "zonas de disponibilidade" que qualquer outro player global.

Mas o golpe de mestre? A Azure não hospeda apenas modelos da OpenAI. Ela se tornou um marketplace universal de IA, hospedando modelos da Meta (LLaMA), xAI (Grok), Mistral, e até o DeepSeek da China. Tradução: não importa qual modelo de IA vença a corrida tecnológica: a Microsoft lucra de qualquer forma.

No Brasil, especificamente, a empresa comprometeu R$ 14,7 bilhões ao longo de três anos: o maior investimento único da Microsoft no país em 35 anos. Enquanto temos apenas 2 pontinhos no mapa global, a Microsoft está literalmente construindo o futuro da nossa infraestrutura de IA.

A corrida tecnológica que já começou (e nós nem percebemos)

Enquanto escrevo isso, a China está literalmente colocando data centers no fundo do mar para economizar energia. Sim, você leu certo. No fundo do mar.

Por quê? Porque o resfriamento natural da água do oceano reduz em 30% o consumo de eletricidade. É como se eles estivessem jogando xadrez 4D enquanto ainda discutimos se IA é "coisa de filme".

E não é ficção científica. O complexo submarino perto de Xangai tem 198 racks de servidores, 97% alimentados por energia eólica offshore. Potência suficiente para treinar o GPT-3.5 em um único dia.

Países como Coreia do Sul e Singapura estão explorando ideias semelhantes – e por que não o Brasil, com nossa extensa costa e potencial eólico offshore?

O paradoxo brasileiro: talento sem infraestrutura

Aqui está o que mais me frustra: temos talento de sobra.

Semana passada, durante uma visita a um cliente, conheci um programador (sem diploma de programação, aliás) que faria bonito em qualquer empresa do Vale do Silício. O problema? Eles estão usando ferramentas desenvolvidas para outros contextos, dependendo de servidores em outros continentes, criando soluções que precisam se adaptar a realidades que não são as nossas.

É como ter os melhores pilotos do mundo mas nenhuma pista de corrida.

Mas nem tudo está perdido (a esperança mora nos detalhes)

O Brasil está investindo US$ 4 bilhões em iniciativas de IA. Parece muito? Comparado aos €200 bilhões da União Europeia, é quase nada. Mas aqui está nosso diferencial: sabemos fazer muito com pouco.

Na IAlto, vejo isso diariamente. PMEs que, com investimentos mínimos, conseguem resultados extraordinários. Nossos alunos conseguem desenvolver e implementar seus próprios Assistentes de IA após apenas 10h de formação imersiva: https://ialto.com.br/servicos. Não precisaram de um data center próprio: apenas criatividade e vontade de inovar.

Três reflexões que esse mapa me provocou

1. A infraestrutura define o jogo, mas não determina os jogadores Sim, precisamos de mais investimento em infraestrutura. Mas enquanto isso não vem, podemos ser criativos com o que temos. E quando vier, estaremos prontos?

2. A personalização é nossa vantagem competitiva IAs globais não entendem o jeitinho brasileiro, o vocabulário regional, as necessidades específicas das nossas PMEs do Alto Vale do Itajaí. Isso é uma oportunidade, não um problema.

3. O futuro está sendo escrito agora (e podemos influenciá-lo) Cada empresa que implementa IA, cada profissional que se capacita, cada linha de código escrita no Brasil ... tudo isso muda o mapa aos poucos.

O que fazer amanhã de manhã?

Se você chegou até aqui, provavelmente está se perguntando: "E agora, Leonardo? "

Minha sugestão para implementação de IA é simples e prática:

1. Pare de esperar a infraestrutura perfeita. Comece com o que tem.

2. Invista em capacitação local. Seus funcionários são seu maior ativo.

3. Documente seus processos em português. Crie dados para treinar IAs que entendam sua realidade profissional.

4. Conecte-se com outros empresários locais. A colaboração supera a falta de infraestrutura.

Uma provocação final

Voltando àquele mapa com apenas 2 pontinhos azuis no Brasil: será que estamos condenados a ser eternos consumidores de tecnologia alheia? Ou podemos transformar nossa criatividade e resiliência em vantagem competitiva?

A Microsoft está apostando US$ 80 bilhões que o futuro da IA depende de quem controla a infraestrutura. A China está colocando servidores no fundo do mar. E nós? Vamos continuar esperando que outros definam nosso futuro tecnológico?

Cada PME que implementa IA com sucesso é um novo pontinho no mapa. Pequeno? Sim. Insignificante? Nunca.

O jogo está apenas começando. E a infraestrutura de hoje determinará os vencedores de amanhã.

P.S.: Enquanto muitos criticam o Copilot de hoje, lembro de uma frase que ouvi de um investidor americano: "Nunca subestime quem controla os canos por onde a água passa." No caso da IA, os canos são os data centers. E a Microsoft tem mais canos que qualquer um.

Referências

1. The New York Times. The Global A.I. Divide. Disponível em: https://www.nytimes.com/interactive/2025/06/23/technology/ai-computing-global-divide.html?unlocked_article_code=1.RE8.Z13m.ff5wfhMPOv82&smid=nytcore-android-share

2. CNN Brasil. Microsoft planeja investimento de US$ 80 bi em data centers para IA no ano fiscal de 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/negocios/microsoft-planeja-investimento-de-us-80-bi-em-data-centers-para-ia-no-ano-fiscal-de-2025/

3. Okoone. How Microsoft Quietly Took Over the AI Infrastructure Game. Disponível em: https://www.okoone.com/spark/industry-insights/how-microsoft-quietly-took-over-the-ai-infrastructure-game/

4. Microsoft News Center Brasil. Microsoft announces 14.7 billion reais investment over three years in cloud and AI infrastructure and provide AI training at scale to upskill 5 million people in Brazil. Disponível em: https://news.microsoft.com/pt-br/microsoft-announces-14-7-billion-reais-investment-over-three-years-in-cloud-and-ai-infrastructure-and-provide-ai-training-at-scale-to-upskill-5-million-people-in-brazil/

Perguntas Frequentes sobre IA no Brasil

Quantos centros de IA o Brasil tem?

Apenas 2 centros de dados especializados em inteligência artificial, segundo o mapeamento do NY Times. Em comparação, os EUA têm 26, a União Europeia 28, e a China 22 centros especializados.

Por que isso importa para PMEs brasileiras?

Porque significa que dependemos de infraestrutura externa para implementar IA, mas também representa uma oportunidade única. PMEs podem aproveitar essa lacuna para criar soluções personalizadas que atendam especificamente à realidade brasileira.

É possível implementar IA sem ter um data center próprio?

Sim, completamente. Na IAlto, implementamos IA em dezenas de PMEs usando infraestrutura global. O segredo está em saber adaptar as ferramentas disponíveis para nossa realidade local e necessidades específicas.

Quanto custa implementar IA numa PME?

O investimento inicial pode ser muito menor do que se imagina. Nossos clientes começam com investimentos de poucos milhares de reais e veem retorno em semanas. O importante é começar pequeno e escalar gradualmente.

A IA vai substituir funcionários em empresas brasileiras?

A IA tende a substituir tarefas repetitivas, não pessoas. Nossos assistentes de IA liberam o tempo dos funcionários e criam novas oportunidades para atividades mais estratégicas.

Qual a vantagem do Brasil ter poucos centros de IA?

Nossa principal vantagem é a personalização. IAs globais não entendem termos regionais como "acarcar" ou as particularidades das PMEs brasileiras. Isso nos força a criar soluções mais adaptadas e eficazes para nosso contexto.

Como começar a usar IA na minha empresa hoje?

Recomendo três passos: 1) Identifique tarefas repetitivas que consomem tempo da equipe; 2) Documente seus processos em português; 3) Busque capacitação prática focada na sua realidade empresarial, não teoria geral.

O investimento da Microsoft no Brasil muda alguma coisa?

Sim, os R$ 14,7 bilhões prometidos pela Microsoft representam o maior investimento da empresa no país em 35 anos. Isso pode mudar significativamente nossa infraestrutura de IA nos próximos 3 anos, criando oportunidades para quem se preparar agora.